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Reflexão sobre a amizade...no presente.

Written By Al Berto on quinta-feira, março 02, 2006 | quinta-feira, março 02, 2006


A amizade está em declínio e a solidão está em ascensão.
Qualquer um pode constatar isso no mundo contemporâneo.
Os laços humanos tornam-se cada vez mais frágeis e efêmeros porque vivemos numa época em que tudo rapidamente se "evapora".
Hoje, antes mesmo que uma amizade se solidifique, ela está condenada á evaporaração frustrando a intenção sincera dos pretensos amigos.
O amor também facilmente se evapora, veja-se o gráfico do número de divórcios.
Aliás, a própria vida "foge", rápidamente, sem que possamos aproveitá-la intensamente como parecia acontecer com os mais antigos.

Vivemos a época das grandes manifestações de massa, das grandes multidões que acorrem aos estádios para assistir ao futebol, ao culto religioso, à banda de rock, ao partido político ou ao carisma de um falso ídolo mas, de uma forma geral, nunca nos sentimos tão sós e sem vínculos autênticos de amizade.

Nos dias de hoje já não importa ter amizades autênticas, mas relacionamentos úteis.

O outro é avaliado para ser nosso amigo instrumental, em função de interesses mesquinhos.
Importa menos um encontro para conversar-por-conversar, do que estar conectado na rede, para trocar e-mails, participar num chat, ou simplesmente jogar em rede com os "amigos virtuais".
A conexão da Internet ou do telemóvel promete um gozo especial, mais do que estar "ao vivo" com o outro.
Ficar face-a-face fica cada vez menos necessário.

Cresce o número de gente que se sente intoxicada de gente, daí cada um inventa uma fuga:
- um relacionamento de faz-de-conta
- contactos apenas virtuais
- arranja um animal de estimação
- viver em algum lugar solitário
- uma viagem inócua

Depois há também aqueles que não acreditam mais na amizade ou os que dizem que sómente se interessa conversar com os do "seu nível".
Com a fragmentação irreversível da nossa época resta a cada um ficar na sua, em casa, e "conversar" com Platão, Aristóteles, S. Agostinho, S. Tomás de Aquino.

Hoje é fácil descartar amizades potenciais.
A falta de disponibilidade para a amizade verdadeira é tamanha que torna-se visível a resistência para continuar uma conversa que mal teve um início.
As poucas amizades que ousam ultrapassar a barreira do formalismo precisam vencer as contingências que concorrem para a sua falência, ou podem simplesmente serem toleradas por interesses profissionais, institucionais, políticos, acadêmicos, comunitários, ou mesmo familiares.

Onde as relações são instrumentais não existe verdadeira amizade.

As amizades sustentam-se apenas onde as relações são genuinas.
A política, tantas vezes tema das nossas conversas, é o melhor exemplo de relações instrumentais, porque, nela, existe sempre um terceiro elemento que condiciona as relações humanas, que são: a causa, o interesse do partido que cada um serve, ser um "não-sujeito", etc.

Na amizade – e no amor, também – sobressai o impulso natural e o sentido genuino da relação de querer estar com outro,...e basta.
Embora a amizade e o amor tenham os seus próprios e camuflados interesses egoístas, a finalidade de ambos é a sustentação do vínculo entre as pessoas que se querem bem.

Entretanto, a pseudo amizade dos militantes de uma causa política, religiosa, ou cultural, tem uma finalidade meramente instrumental, porque o outro só existe como "objecto" de uso para conseguir êxito numa causa abstrata ou concreta.

Existe uma equivalência no tratamento entre "camaradas", "companheiros" e os "irmãos" do cristianismo.
O tratamento de "camarada" ou de "companheiro" nada tem do sentido clássico de amigo.
O camarada ou companheiro é alguém incluso na militância, na luta política, ou seja, a relação jamais é directa, antes passa pela "autorização" do outro (o partido, a causa, etc).
Nesse sentido, ambos se aproximam do sentido de "irmão", que é de inspiração religiosa ("irmãos em Cristo", "O amor de Cristo nos uniu"), isto é, mediado por Deus.

O caso do cristianismo é uma religião que se trabalhou ideologicamente para substituir a amizade, cuja matriz é grega e laica, pela irmandade, mediada pelo poder e amor divinos.
A ética cristã que aproxima os crentes é o amor que passa por Deus-Pai, ou ao "próximo", portanto, não ao "amigo".

De leituras feitas retirei estas ideias que me pareceram interessantes.
- Na antiguidade, Epicuro foi o sábio que mais amigos teve.
Embora fosse um homem de saúde frágil, Epicuro, morreu feliz, brindando aos seus amigos com uma taça de vinho.
- Sócrates também não se cansava de dizer que o maior bem que tinha na vida eram os amigos.
Uma de suas preocupações, como filósofo, era ensinar aos discípulos como fazer e como manter amizade, dado que existem pessoas que facilmente iniciam uma, mas não sabem como mantê-la.
- Platão, seu principal discípulo, herdou do mestre sua dedicação para com esse assunto, fazendo vários diálogos elogiando a amizade.
- Aristóteles a quem coube elevar a amizade à categoria de virtude, que como tal é uma coisa absolutamente necessária para a vida – mais exactamente, para viver a vida com sentido de felicidade.
"Ainda que possuísse todos os bens materiais, um homem sem amigos não pode se feliz", diz.

Por outro lado o sociólogo italiano Alberoni, observa com propriedade que a amizade só é possível entre "iguais", ou entre aqueles que vivem a mesma condição humana.

Portanto, é praticamente impossível existir amizade entre patrão e empregado, entre professor e aluno, entre médico e paciente, entre psicanalista e analisando, entre líder e liderados, entre sargento e soldado, entre uma autoridade e os seus subalternos, etc, porque sendo relações assimétricas é natural que exista entre tais pessoas, respeito, veneração, temor reverencial, adulação, "graxa", mas não amizade genuína.
Para que alguma dessas relações vire uma amizade verdadeira há que ser superada tal assimetria.

Em 2005 foi publicada uma pesquisa sobre a relação entre amizade e a saúde. As conclusões foram de que além de ela dar sentido existencial á vida ela proporciona saúde física e bem estar ás pessoas envolvidas.

Para termos em conta,

Finalizo com uma máxima, "muito minha", que recebi de herança:
"Desconfia de uma pessoa que a todos chama de amigos. Porque, se ele chama a todos de amigos, provavelmente não se sente amigo de todos".

Sejamos verdadeiros amigos e saibamos viver essa condição.

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