Foi criado pela tia Gé e pelo tio Xico, numa casa situada no Largo das Cinco Bicas, em Aveiro, até aos 3 anos (1932), altura em que foi viver com os pais e irmãos, que estavam em Angola havia 2 anos.
A relação física com a natureza causou-lhe uma profunda ligação ao continente africano que se reflectirá pela sua vida fora. As trovoadas, os grandes rios atravessados em jangadas, a floresta esconderam-lhe a realidade colonial. Só anos mais tarde saberá o quão amarga é essa sociedade, moldada por influências do "apartheid".
Em 1937, volta para Aveiro onde é recebido por tias do lado materno, mas parte no mesmo ano para Moçambique, onde se reencontra com os pais e irmãos em Lourenço Marques (agora Maputo), com quem viverá pela última vez até 1938, data em que vai viver com o tio Filomeno, em Belmonte.
O tio Filomeno era, na altura, presidente da câmara de Belmonte. Lá, completou a instrução primária e viveu o ambiente mais profundo do Salazarismo, de que seu tio era fervoso admirador. Ele era pró-franquista e pró-hitleriano e levou-o a envergar a farda da Mocidade Portuguesa. "Foi o ano mais desgraçado da minha vida", confidenciou Zeca.
Zeca Afonso vai para Coimbra em 1940 e começa a cantar por volta do quinto ano no Liceu D. João III. Os tradicionalistas reconheciam-no como um bicho que canta bem. Inicia-se em serenatas e canta em «festarolas de aldeia». O fado de Coimbra, lírico e tradicional, era principalmente interpretado por si.
Os meios sociais miseráveis do Porto, no Bairro do Barredo, inspiraram-lhe para a sua balada «Menino do Bairro Negro». Em 1958, José Afonso grava o seu primeiro disco "Baladas de Coimbra". Grava também, mais tarde, "Os Vampiros" que, juntamente com "Trova do Vento que Passa" (um poema de Manuel Alegre, musicado e cantado por Adriano Correia de Oliveira) se torna um dos símbolos de resistência antifascista da época. Foi neste período (1958-1959) professor de Francês e de História na Escola Comercial e Industrial de Alcobaça.
Em 1964, parte novamente para Moçambique, onde foi professor de Liceu, desenvolvendo uma intensa actividade anticolonialista o que lhe começa a causar problemas com a polícia política pela qual será, mais tarde, detido várias vezes.
Quando regressa a Portugal, é colocado como professor em Setúbal, mas, devido ao seu activismo contra o regime, é expulso do ensino e, para sobreviver, dá explicações e grava o seu primeiro álbum, "Baladas e Canções".
Entre 1967 e 1970, Zeca Afonso torna-se um símbolo da resistência democrática. Mantem contactos com a LUAR (Liga Unitária de Acção Revolucionária) o que lhe custará várias detenções pela PIDE (polícia política). Continua a cantar e participa, em 1969, no 1º Encontro da "Chanson Portugaise de Combat", em Paris e grava tambem o LP "Cantares do Andarilho", recebendo o prémio da Casa da Imprensa pelo melhor disco do ano, e o prémio da melhor interpretação. Zeca Afonso passa a ser tratado nos jornais pelo anagrama Esoj Osnofa em virtude de ser alvo de censura.
Em 1971, edita "Cantigas do Maio", no qual surge "Grândola Vila Morena", que será mais tarde imortalizada como um dos símbolos da revolução de Abril. Zeca participa em vários festivais, sendo também publicado um livro sobre ele e lança o LP "Eu vou ser como a toupeira". Em 1973 canta no III Congresso da Oposição Democrática que se realiza em Aveiro e grava o álbum "Venham mais cinco".
Os seus últimos espectáculos decorrem nos Coliseus de Lisboa e do Porto, em 1983, quando Zeca Afonso já se encontrava doente. No final deste ano, é-lhe atribuida a Ordem da Liberdade, mas o cantor recusa (mais tarde, em 1994, é feita nova tentativa a título póstumo, mas a sua mulher recusa, dizendo que, se o marido a não tinha aceitado em vida, não seria depois de morto que a iria receber).
Em 1985 é editado o seu último álbum de originais, "Galinhas do Mato", em que, devido ao avançado estado da doença, José Afonso não consegue cantar a totalidade das canções. Em 1986, já em fase terminal da sua doença, apoia a candidaduta de Maria de Lurdes Pintassilgo à presidência da república.
José Afonso morreu no dia 23 de Fevereiro de 1987, no Hospital de Setúbal, às 3 horas da madrugada, vítima de esclerose lateral amiotrófica. Será certamente recordado como um resistente que conseguiu trazer a palavra de protesto antifascista para a música popular portuguesa e também pelas suas outras músicas, de que são exemplo as suas baladas.
Faz 20 anos que o deixámos de ouvir.
Um hino á liberdade... de Aveiro.
Written By Al Berto on sexta-feira, fevereiro 23, 2007 | sexta-feira, fevereiro 23, 2007
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18 comentários:
Uma homenagem justíssima!
Abraço
continuaremos semprea ouvi-lo
ele continuará a cantar para nós!
um abraço
Sem dúvida o maior, e o melhor, cantor de intervenção.
Autor (música e letras), compositor e intérprete.
Mostardinha
Linda homenagem.
É a primeira vez o que escuto e posso imaginar o que ele representou e ainda representa.
Tenho a certeza de que será ouvido e prestigiado por muito tempo.
Um bom final de semana.
Beijo.
Caro JAM,
Você é espantoso, bonita homenagem sobre este monstro da cultura, da liberdade, fraternidade e igualdade.
Vou postar brevemente sobre uma história que tive o previlégio de viver com ele, não me foi possivél fazê-lo hoje por falta de tempo.
Já viu que a nossa cidade e a dele nem o recordaram, quando todos querem adoptá-lo nós, que é um dos nossos, ignoramos a pessoa e o valor dele.
SOMOS POBRES DE TUDO; MALDITOS GOVERNANTES DESTA TERRA; Mas os verdadeiros democratas jamais o esquecerão.
Obrigado e um abraço.
Olá José Alberto,
Fez 20 anos que o Zé deixou dee cantar, mas a sua voz, as suas músicas e a sua paixão pela liberdade ecoará sempre e eternamente nas mentes que acreditam e querem a VERDADEIRA liberdade.
Viva Zeca Afonso.
Bom fim de semana para ti.
Um abraço
Mostardinha,
Bela homenagem,
Tem um bom fim de semana,
beijinhu
eu não o conhecia, mas constato que há muito não temos artistas que lutam por ideais pensando na pátria
Caro JA, já que a democracia oficialmente o esqueceu, passamos à clandestinidade e, lembamo-lo nós.
Cpts e Bfs
Mostardinha,
obrigado pela dica do WALLA.COM, acho que vou criar um lá para os contactos mais importantes.
Quanto ao José Afonso, eu estudei na escola que um dia veio a ter o nome dele, no Seixal.
Nos anos 80 tínhamos um jornal na escola - O Nova Maré - que possivelmente foi até hoje um dos melhores jornais de escola em Portugal - era mensal, impresso e nunca tinha menos de 48 páginas. Serve isto para dizer que entrevistámos o Zeca várias vezes a última das quais já ele estava muito doente na sua casa de Azeitão!!!
Mesmo assim recebeu-nos de uma forma que só os grandes homens podem receber.
Acho que é ele tem sido muito maltratado pelos compatriotas nos últimos anos e merecia bem estar nos 10 mais dos grandes portugueses.
Um abraço e obrigado pela tua cronologia, algumas coisas eu até desconhecia!
Eu estou de passagem apenas e não pude ler tua publicação e o farei amanhã, provavelmente. Agora vim apenas retribuir tua atenção e gentileza em me desejar sempre bons finais de semana. Pois que o teu seja muitíssimo bom também!!!
Tenho aparecido pouco nos blogs, pois resolvi voltar aos bancos da universidade e retomei o curso de direito que eu havia abandonado a um tempo atrás, em razão das minhas viagens. Agora quero ver se o concluo. Já tenho outros cursos universitários, mas voltar à sala de aula, é sempre muito bom e divertido e tenho aproveitado muito. Pois então é essa a razão do meu sumiço!!! Mas virei sempre que possível!!!
Beijinhos e tudo de bom!!!
Cris
Meu querido amigo,
Belíssimo post para o meu dia de Domingo!!. Obrigada
Bjs
Caro amigo, minha conexão está com problema esse fim de semana e muito lenta. Estou passando só para desejar uma ótima semana. Abração
Olá!
A imprescindível homenagem...a um homem de coragem e nosso conterrâneo...
Bjs. Boa semana.
parece que só Aveiro o esqueceu, o que é uma vergonha!!
Este post foi o pretexto para recordar com um antigo colega do Liceu de Aveiro um sábado à noite. Vivia-se o ano de 1973. Era Abril, dia 7. Decorria o III Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, no Teatro Avenida. José Afonso e outros baladeiros faziam uma sessão numa "Sala do Teatro". Algumas centenas de jovens assistiam. Lá fora as carrinhas da polícia de choque aguardavam a saída dos participantes...um grito de liberdade ecoava por todo o Portugal. Faltava pouco mais de um ano para o 25 de Abril.
Cumps
Viva Zé Manuel:
Pois... o pior foi á saída.
Também lá estive.
Um abraço,
Homenagem perfeita irretocável e que só tua forma de escrever poderia traduzir.
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