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Ideias para Blogger

Tempus fugit.

Written By Al Berto on sexta-feira, junho 23, 2006 | sexta-feira, junho 23, 2006

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.
Eugénio de Andrade (1923-2005)

10 comentários:

Saramar disse...

Querido, a beleza deste poema é maior, muito maior que a tristeza que dele se derrama.
É maravilhoso!

Beijos

João Branco disse...

Grande poema desse senhor que infelizmente desapareceu no dia 13 de Junho de 2005, dia em fazia 18 anos... por coincidencia dia em que na Escola Secundária Marques de Castilho o dissertava com vista ao exame nacional Português alguns dias depois!

Poemas e Cotidiano disse...

Mostardinha: Esse poema eh de uma beleza incrivel!
Abracos
MARY

veritas disse...

Sim...perdemo-lo há aproximadamente um ano...um dos meus poetas preferidos, tal como o Pessoa. Um homem grande que soube tornar as palvras grandes ao perceber o verdadeiro e intrínseco valor de cada uma delas..." São como um cristal,
as palavras.
Algumas um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas...Adoro este poema!
Obrigada José Alberto por este momento com que nos brindou!

veritas disse...

perdão, palavras...

Berenice disse...

Olá, José Alberto!
Obrigada pela sua visita ao meu blog e pela estrofe plena de força, de optimismo, de esperança e amizade com que me presenteou no seu comentário. Parece-me Manuel Alegre, mas não tenho a certeza; se estiver enganada, corrija-me, por favor. Adorei!
Estive a saborear a grande beleza deste poema triste de um poeta que eu também amo. Pena que o «tempo dos segredos» derive, a maior parte das vezes, num tempo de degredos, quando se trata de paixão! O poeta é sublime ao «passar-nos» o vazio e a angústia desse momento.
Parabéns pela sua escolha!
Voltarei muitas vezes.
Um beijinho.

Al Berto disse...

Olá Berenice:

Quem pede desculpa sou eu que não referenciei o autor.
De facto trata-se do extracto de um verso do poema "Urgente" de Eugénio de Andrade, da sua obra «Até Amanhã».
No entanto na força das palavras dos poemas de Manuel Alegre, que muito aprecio, há muito dessa força contida nas de Eugénio.
É a minha opinião.

Um beijinho,

João Branco disse...

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre
Lindo, não!
Só podia ser meu conterraneo e escrever ao admirar o leito do Rio águeda na sua passagem!´

Al Berto disse...

Viva João:

Esse poema do Manuel Alegre é um hino á resistência contra a ditadura fascista.

Saiu-lhe da alma...exilado que estava na Argélia.
Para mim um dos três poemas mais conseguidos na literatura portuguesa.

Um abraço,

João Branco disse...

Também penso o mesmo!